creation
O naturalista e cientista Inglês do século XIX Charles Robert Darwin foi uma figura polêmica antes mesmo de publicar sua magnífica obra, ‘A Origem das Espécies’, em 1859. E é, até hoje, um herói para muitos e vilão para outros e seu famoso livro permanece em debate no século 21 como foi no século 19. Darwin revolucionou a biologia e desafiou dogmas da igreja. As suas teorias sobre a evolução humana e da seleção natural tirou o Homem do centro da criação divina e abriu caminho para a ciência moderna. ‘Creation’, o mais recente filme do cineasta britânico Jon Amiel, com forte desempenho de Paul Bettany (Charles Darwin), a sua esposa na vida real Jennifer Connelly (Emma Darwin), e a estreante Martha West (Annie Darwin), mostra uma imagem muito diferente de Darwin. Em vez da idéia ridícula difundida pela Igreja de um cientista diabólico que tenta destruir Deus, Darwin é retratado como um homem brilhante, atormentado por doenças, com profundas feridas emocionais, e sofre como todos aqueles que são vítimas da grande batalha ideológica do nosso tempo: a ciência versus religião. O roteiro do filme foi escrito pelo escocês John Collee e se baseia em ‘Annie's Box’, uma biografia escrita pelo ambientalista Randal Keynes, tataraneto de Charles Darwin e inspirado em seus próprios diários e cartas da família. A história da viagem dele é tão conhecida quanto à de Cristovâo Colombo. Charles Darwin tinha 22 anos quando embarcou em 1831 no pequeno navio de exploração científica H.M.S. Beagle em uma viagem pelo mundo. Observando diferentes espécies de tartarugas e de tentilhões, percebeu a diferenciação de espécies. Foi o passo inicial da teoria da evolução. Quando voltou à Inglaterra, cinco anos depois, trouxe na bagagem idéias que mudaram a geografia das espécies tanto quanto Colombo mudou a geografia terrestre. Em ‘Creation’, Darwin é humanizado pela melodias empáticas dominadas por piano, sopros e cordas. Escrita para uma orquestra de cordas, com solos notáveis para violino e piano, a música tem uma beleza melancólica, íntima, minimalista, em desacordo com as explosões indisciplinadas de orquestra de outros filmes do veterano norte-americano Christopher Young, que já tinha trabalhado com Jon Amiel anteriormente. Apesar de ser mais conhecido por suas composições em filmes de suspense e de terror, como ‘Hellraiser II’ e ‘Drag me to Hell’, pode parecer estranho colocá-lo no leme de um filme como este, mas Young sempre foi um compositor muito versátil e quando lhe é dada a oportunidade pode escrever algumas notas belíssimas como em ‘Murder in the First’, ‘The Shipping News’ e em ‘The Gift’.
Poucas revelações tiveram a força como as suas sobre a origem e a transformação do mundo animal, das plantas e, principalmente, da humanidade. Poucas revoluções tiveram esse poder. A prova de que a Terra é redonda é uma delas. Por anos se acreditou em uma Terra plana sustentada pelos ombros fortes de um titã que se apoiava sobre os cascos de tartarugas. Antes de Darwin acreditava-se na tese do criacionismo, versão religiosa de que Deus criou o homem, a mulher e os demais seres vivos de uma tacada só e exatamente como são agora e não evoluído de formas primitivas e comuns a todos os seres vivos, como sugeriu o cientista. Uma visão difundida por religiosos obscurantistas, e ainda hoje, assustadoramente, aceita pela maioria. Darwin explicou como a vida evoluiu na Terra e se tornou um herói da racionalidade. Um herói, que apesar do próprio drama psíquico e moral, venceu suas dúvidas e provocou uma revolução na história da humanidade. Veja Darwin em 10 perguntas e respostas
O filme mostra trechos desta sua viagem, em especial sua passagem pela Argentina. Também aparecem o biólogo Thomas Huxley e o botânico Joseph Hooker, apoiadores das teorias de Darwin. A história do filme se passa no século XIX na pacata Down House, a casa de campo em que a família vivia na Inglaterra. Ali o cientista instalou seus laboratórios e criou dez filhos, entre eles a precoce Anne Darwin, que ainda pequena encantava o pai com seu interesse pelas plantas e animais. Darwin já havia rodado o mundo e escrevia sua obra quando Anne, aos dez anos morre. O episódio deprime o cientista e abre uma crise entre ele e sua esposa e também abala a fé do naturalista, o que aumenta os problemas entre Darwin e Emma, profundamente religiosa. Outro ponto dramático é a cena em que ele com o braço estendido toca com o indicador o indicador da macaca Jenny, que morre num dos momentos mais comoventes do filme. Cena que nos remete a ‘A criação de Adão’, de Michelangelo.
Christopher Young pinta um retrato de Darwin como um homem pensativo, um intelectual em um mundo requintado e clássico, sua ilustre carreira acadêmica e sua trágica vida pessoal, especialmente seu relacionamento com sua filha e sua esposa. O resultado é apoiado em melodias de piano elegante, solo soberbo de violoncelo e orquestrações com flauta, oboé, metalofone, carrilhões e um gemido sutil de realejo que dá uma sensação etérea. No entanto, em ‘Struggle for Survival’ o resultado é dissonante, uma sequência de zumbidos com solos de violinos e acordes desarticulados de um piano que causam um efeito perturbador. Mas, ‘Creation’ é assim, uma história de tormentos profundos e prolongados.